D. Joao II

PROJETO
Este projeto pretende concretizar um propósito muito específico: desmontar o processo pelo qual a coroa institui, de forma sistemática e permanente, a nomeação de juízes de fora letrados para os concelhos de maior importância, no reino de Portugal.

A explicação circunstanciada deste processo, incluindo o conhecimento dos efetivos humanos envolvidos, contribuirá para apreender um dos sustentáculos da construção do Estado Moderno. Com efeito, a ampliação do aparelho judicial da coroa (em número e complexidade) traduz-se numa perda irremediável da autonomia das comunidades locais. A designação deste magistrado, um elemento exógeno a comunidade, fere o status quo de consenso estabelecido entre a coroa e as oligarquias dos concelhos, que constituía um dos pilares da cultura e do sistema político do Antigo Regime.

Os conhecimentos atuais sobre o exercício da justiça em primeira instância na baixa Idade Média apontam para a nomeação episódica e conjuntural de juízes de fora, iniciativa régia que, invariavelmente, desencadeava conflitos com as autoridades locais eleitas. Pelo contrário, a imagem veiculada pela Época Moderna, assente em investigação desenvolvida para os séculos XVII e XVIII, é a da existencia de uma estrutura de administração da justiça, estabelecida pela coroa e pelos grandes donatários, que corresponde a um aparelho judicial atuante nas principais cidades e vilas do reino.

Estes dois discursos historiográficos antagónicos, relativos as Épocas Medieval e Moderna, indiciam a existencia de um período de aceleração em que este processo de mudança se terá desenvolvido. De facto, um hiato cronológico, correspondendo grosso modo ao século XVI, esteve até agora omisso na investigação. Os motivos desta ausencia prendem-se com as divisoes "de terreno" entre medievalistas e modernistas que acabam por estabelecer barreiras temporais nos estudos, menosprezando os períodos charneira. E, como é óbvio, a evolução paulatina da ordem jurídica e do funcionamento das instituiçoes, ao longo do Antigo Regime, não se coadunam com cortes historiográficos artificiais.

Nestas circunstâncias, o projeto é inovador porque congrega especialistas das Época Medieval e Moderna, não para se aliarem numa pesquisa desenvolvida na long durée (sem abandonarem as respetivas cronologias, quanto muito aplicando uma grelha de análise similar) mas para partilharem a investigação de um curto período, um século, que é considerado em termos de evolução do aparelho judicial da coroa "terra de ninguém".